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sábado, dezembro 18, 2004
  Time

XVII

I NEVER saw a moor,
I never saw the sea;
Yet know I how the heather looks,
And what a wave must be.
I never spoke with God,        
Nor visited in heaven;
Yet certain am I of the spot
As if the chart were given.

Emily Dickinson. Complete Poems.  1924. 
terça-feira, dezembro 07, 2004
  Desmesura

De todos os cedros, só um cresceu até
ao céu; e tapa-me, agora, a vista do horizonte. Mas
foi para isso que o plantei. O
horizonte, que indica a terra que está para além dos limites
da terra, não me interessa. Prefiro o caminho
do céu, agora que o cedro se transformou numa escada
que chega às primeiras nuvens, e me permite
imaginar a névoa que antecede o azul. O horizonte terrestre,
esse, é uma porta: e uma porta não serve senão
para fazer com que se passe de uma sala
para outra, de um quarto para outro, ou
de uma casa para outra, numa repartição de
gestos que nada ensinam a quem os faz, a não
ser que, do outro lado, se encontre quem
indique uma saída. O cedro nada
tem a ver com isto. Cresceu, sem que eu soubesse
como, até tapar todos os horizontes que se viam
para além do campo, e fez-me olhar para
o céu, onde um outro horizonte se abre. Então,
construo uma metafísica da natureza. Os seus
filamentos lógicos metem-se no meu espírito, como
as raízes do cedro que andam por baixo da terra, em busca
da vida que o seu tronco me sugere, quando o toco, e
me obriga a interrogar-me sobre o que está para
além dele. Uma seiva de respostas embebe cada
ramo, embora a folhagem os esconda, e só quando a afasto
é que me apercebo do labirinto que a harmonia da
árvore encobre. "Porque não corta este tronco?", diz-me
o agrónomo. "Deixe o arbusto estender-se para os lados,
para que a sombra não mate as outras árvores." Digo-lhe: "É
uma vegetação parasita a que alastra à volta do cedro. Prefiro
que a árvore funerária sobreviva, sobre esta terra estéril,
e lembre o que há de mais puro nesta relação com
o tempo." Uma ligação perene com os deuses, quero
eu dizer. O horizonte celeste, isto é, a passagem
de um mundo para o outro, agora que este cedro
subiu à janela do primeiro andar, e me obriga
a olhar para dentro, em busca das raízes que
alastram pelo espírito, aí bebendo a água
da sua inspiração.

Nuno Júdice, Cartografia de Emoções, Lisboa, Publicações Dom Quixote, 2001, págs.145-146 
quarta-feira, novembro 17, 2004
  Look up


© D. -- Nov. 2004.
 
  let it go-the
smashed word broken
open vow or
the oath cracked length
wise-let it go it
was sworn to
go

let them go-the
truthful liars and
the false fair friends
and the boths and
neithers-you must let them go they
were born
to go

let all go-the
big small middling
tall bigger really
the biggest and all
things-let all go
dear
so comes love

e.e.cummings  
quinta-feira, outubro 21, 2004
  Quando as serpentes regatearem o direito a colear
e o sol fizer greve para ganhar o salário mínimo –
quando os espinhos olharem as suas rosas alarmados
e os arco-íris estiverem seguros contra a velhice

quando um tordo não puder cantar nenhuma lua nova
se todas as corujas não tiverem aprovado a sua voz
– e qualquer onda assinar sobre a linha ponteada
senão um oceano é obrigado a fechar

quando o carvalho pedir licença à bétula
para criar uma bolota – os vales acusarem as suas
montanhas de terem altitude – e março
denunciar abril por sabotagem

então acreditaremos nessa incrível
humanidade inanimal (e não antes)

e.e. cummings
xix poemas
(trad. Jorge Fazenda Lourenço) 
segunda-feira, maio 10, 2004
  Poemas muito breves

no princípio
de um caminho
outro terminou.

*

o relógio
pergunta aos ponteiros:
- Que horas são?
 
sexta-feira, abril 30, 2004
  Um diálogo de sombras

O amor, na sua dimensão platónica, toca-me
o espírito. Analiso as suas implicações, o êxtase cortado
no instante da contemplação, o percurso místico
por entre emoção e reflexão. No entanto, será esse, de facto,
o verdadeiro conceito do amor? É que, ao ler
os clássicos, não encontro mais do que erros
no anacronismo das épocas. O que seria o sentimento
para um homem da Antiguidade? Por que lutaram
gregos e troianos se não estivesse estado em jogo o corpo
de uma mulher, mesmo que outros interesses, de acordo
com a teoria de Marx, os tivessem empurrado uns contra os outros? E
que faziam no meio de tudo isto os efebos socráticos,
os guerreiros espartanos com os seus amigos, e todas
as falas de homens e mulheres nas tragédias recitadas
em anfiteatros varridos pelos ventos do Mediterrâneo? Hipólito,
Antígona, Édipo, bacantes e sibilas, trocando imprecações
e argumentos... Eu, porém, sentado num muro que dá
para a falésia, enquanto a corrente empurra as gaivotas
para o largo, evoco os meus amores platónicos. Todas
essas que guardei na memória, para que habitassem poemas
e versos, juntam-se agora nesta tarde de calor, e perguntam-me
por que limitei o amor à inacção da alma. As suas imagens
vacilam com a tarde, como se o sol as abandonasse; e
dou-lhes o sorriso triste das figueiras mortas, para que o levem
para os seus túmulos de sombra. O amor, digo-lhes, não é
o abraço mental que nenhum remorso ressuscita; e
o silêncio deste dia de verão, em frente do mar, afasta-vos
de mim. No entanto, cada uma de vós, amei-vos: e
se vos esqueço é porque penso na teoria platónica, e a ponho
em causa, abandonando a caverna onde habitei
convosco. Aqui, ao sol, mesmo que seja este sol do fim
do dia, é outro o meu amor. Helena, Dido, Eurídice,
as mais feridas das mulheres amadas, e também outras,
Laura, Beatriz, Margarida, as que deixaram o seu nome
no coração do canto, tomam o vosso lugar - ó amigas
desencontradas - e é com elas que falo de Platão,
para ver se chegamos a alguma conclusão.

Nuno Júdice, Cartografia de Emoções, Lisboa, Publicações Dom Quixote, 2001, págs. 30-31 
segunda-feira, abril 26, 2004
  Conto de fadas

Na varanda, a bela infanta apaga
o cigarro. O céu sem lua atira-lhe as
estrelas para cima, deixando-a suja
de uma cinza cósmica que ela
sacode para o vaso de flores, onde
o príncipe deixou um bilhete: "Hoje
não pode ser, meu amor"; e ela,
deitando a beata do quinto andar
para a rua, volta para a sala. "Estás
pronta?" Ela não responde. Senta-se,
apenas, ao colo do sapo, e beija-o,
esperando que se transforme em conde,
mandando o príncipe, mais o amor
dele, e o palácio, às urtigas.

Nuno Júdice, Cartografia de Emoções, Lisboa, Publicações Dom Quixote, 2001, pág. 114. 
sábado, abril 17, 2004
  As raparigas amam muito

As raparigas amam muito. Riem
atrás das mãos uma manhã inteira
para esconder o vermelho dos
beijos que alguém lhes roubou e
um nome que vão deixar escapar
entre as primeiras palavras que
disserem. Vestem do avesso os
 
aventais de chita e fazem o leite
sobrar do fervedor e o caldo ser
mais salgado do que o mar. Mas
 
é bonito vê-las caminhar descalças
ao longo do corredor, como se
pedissem um par para dançar. As 
 
raparigas amam tanto. Sentam-se
em rodas de segredos uma tarde
inteira e esquecem no tanque os
colarinhos sujos das camisas, e os
cueiros, e uma barra de sabão a
derreter-se como o seu coração.
 
Mas é bonito vê-las beijar a boca
ao espelho no quarto das traseiras
e também a outra boca no retrato
que a seguir escondem amordaçado
na algibeira, não lhes cobice alguém
o que não tem. As raparigas amam
 
de mais. Deixam-se ficar sem dizer
nada uma noite inteira, bordando
no linho dos enxovais letras secretas
ao calor do fogão. E picam os dedos
 
distraídos nas agulhas que usaram
para descobrir o sexo de cada filho
que terão num jogo que jogaram
entre elas à tardinha. Mas é bonito
 
vê-las ao serão, quando o vento as
chama atrevido da cozinha e dão
um pulo seco na cadeira, e largam o
 
bordado e a lareira, e correm até à
porta a colher beijos que lhes deixam
risos nos lábios tão vermelhos como
as mais doces cerejas deste verão.
 
Maria do Rosário Pedreira, Nenhum nome depois, Lisboa: Gótica, 2004, págs. 50-51. 
sábado, abril 03, 2004
  Chegam cedo demais, quando ainda não podem escolher

Chegam cedo demais, quando ainda não podem escolher
nem decidir. Vêm carregados de espectros, de memórias
e de feridas que não souberam sarar; mas trazem a confiança
da cura nas palavras. Convencem-se de que amam outra vez
 
quando nos tocam os pequenos lugares, esquecendo-se do rumo
incerto dos seus passos nas estradas tortuosas que os
trouxeram. Abafam-se num cobertor de mentiras sem saber e
falam de injustiça quando tentamos chamá-los à verdade.
 
Dormem de vez em quando nas nossas camas e protegemo-los
da dor como aos filhos que não iremos ter nunca
porque não nos resignamos a perdê-los. E, um dia, partem, vão
 
culpados, não chegam a explicar o que os arrasta. Escrevem
cartas mais tarde — uma ou duas para se aliviarem dessa espada.
E nós ficamos, eternamente, sem vergonha, à espera que regressem.

Maria do Rosário Pedreira, A Casa e o Cheiro dos Livros, Lisboa: Gótica, 2002, pág.11. 
quinta-feira, abril 01, 2004
  É no cuidar que se mede o amar. 
Entre (ontem e hoje, a realidade e a ficção)

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